Dois meses depois do nascimento da Rita cá estamos finalmente para relatar a última semana.
É uma vergonha, eu sei mas foi o melhor que se pôde arranjar e se todos colaborarmos fechando os olhos e imaginando que estamos em finais de Setembro é quase a mesma coisa.
(talvez seja melhor passar á frente a parte de fechar os olhos ou não vão conseguir ler o resto)
Eis que chegamos à trigésima nona semana, a semana que põe um ponto final neste primeiro capítulo da vida da nossa pikena maguerefe. De agora em diante tudo se passa tête à tête, o que de bom e tudo de mau e de mau acontecer é de agora em diante olhos nos olhos.
O início da semana foi bastante tranquilo, passado a tratar dos preparativos finais para o nascimento, a confirmar e re-confirmar que tudo está a postos para receber Sua Alteza, Rita Catita I (e única). Malas prontas, número de telefone do take-away à mão, máquina fotográfica carregada e victan na carteira (na bosinha secreta que outrora serviu de alegre albergue a contraceptivos de todas cores e sabores).
Segunda-feira foi dia de sessão dupla incluíndo no programa um jantar e cinema. Uma espécie de despedida desta dualidade que brevemente desaparecerá para nunca mais ser vista. Sob a bênção de Woody Allen nos lançamos assim do balcão da vida sossegada para aterrar na terça-feira, dia programado para o internamento da F.
À semelhança de segunda-feira, terça-feira avizinhava-se calmo... Avizinhava-se.
Aproveitamos o dia para para ficar na cama a contar carneiros até mais tarde uma vez que a entrada no hospital estava marcada apenas para as 17h30. Decidimos fazer um passeio mais prolongado com o Joka pois era o último que a F. faria com ele nos próximos dias. Teria sido uma boa ideia não estivessem a ligar do hospital passavam pouco mais de dez minutos que tínhamos saído de casa. O internamento tinha sido ligeiramente antecipado para... Imediatamente!
Acabamos o passeio e voltamos a casa para apanhar as malas da F. e dirigirmo-nos ao hospital.
Escusado será dizer que as despedidas foram chorosas... Era a primeira vez em seis anos a F. e o Joka se iam separar e já esperava que este não fosse propriamente o momento mais fácil.
Nos dias seguintes de cada vez que entravamos em casa, o Joka ficava eufórico e corria a casa toda a dar ao rabo em busca da F. até perceber que eramos os únicos, os Reis e Senhores de um castelo completamente vazio e solitário.
Quarta-feira foi um tal de corre-corre, quer físico, quer psicológico. Após passear e alimentar o Joka e dar um jeito rápido no "castelo", há que correr para o hospital para estar com a F. e não deixar que suporte a pressão do dia sozinha.
Estivemos juntos até às quatro da tarde, hora que a vieram buscar para preparar para o parto. Acompanhei-a ao bloco até receber um sinal vermelho - "Pai, daqui não passa!"
Pela primeira vez em toda a gravidez senti-me completamente inútil e daqui para a frente a F. estava por conta-própria. Foi um sentimento muito estranho. Toda a gravidez foi uma caminhada a dois, era um "projecto" conjunto e à excepção do que por natureza pertence unicamente à mãe, sempre tentei que a F. não se sentisse desamparada.
As horas foram-se sucedendo, as portas contíguas à do bloco operatório abriam-se e fechavam-se com médicos, enfermeiros e auxiliares constantemente a cirandar de um lado para o outro. Por momentos tive a sensação que estavam a fazer apostas para ver qual deles seria capaz de me provocar um ataque cardíaco.
Vinha um e abria uma porta... Calma, vou trocar de roupa.
Vinha outro e abria outra porta... Mas era só para entregar uns papéis.
E mais outros dois... Numa agradável e aparentemente divertida cavaqueira.
E mais outro e outro e outro... Durante duas longas horas.
Alto, vem aí outro... Djarannnn, ainda não é desta!
Por fim lá se abriram as portas do bloco de onde saiu uma enfermeira com uma caixota transparente com qualquer coisa lá dentro que ao longe me parecia um Wrap do McDonalds mas um pouco maior. Será que aquele embrulho tinha escrito por fora: "Rita Catita. Manter em local seco e arejado"?
Com o coração aos saltos e as pernas a bater castanholas, dirigi-me à enfermeira tentando disfarçar o nervosismo o melhor que sabia. Não corri para não dar parte de fresquinho, nem me limitei a andar para não parecer desinteressado. O melhor que me lembrei na altura foi assim uma espécie de marcha olímpica, que mais tarde vim a perceber que fora do seu contexto desportivo é despropositado e de difícil explicação... Ainda tentei explicar perante a grande indiferença da enfermeira que apesar do meu esforço em clarificar os factos simplesmente dizia - "Ahan, ahan...Ahan...
Mas ainda não era a Rita, era um Rodrigo, um Rodrigo Não Sei Das Quantas. "Mas não se preocupe pai que o seu é o próximo!"
O seu é o próximo? O seu é o próximo? Como é que eu posso confiar nesta personagem se nem sabe que não é um próximo mas sim uma próxima?
Finalmente, meia-hora depois lá apareceu de novo a enfermeira desta feita com uma encomenda em meu nome. A Ritinha acabara de nascer e estava ali á minha frente deitando por terra toda e qualquer preparação que pudesse ter feito para aquele momento. A pirralhinha que sempre se recusou a mexer para que eu a pudesse sentir excepto em dia de jogo do Porto havia chegado com as malas feitas e bilhete só de um sentido. Pequenina, muito enrolada, só se via mesmo a pontinha do nariz. Era a pontinha de nariz mais perfeita que alguma vez tinha visto.
Subimos ao quarto e aí pude ver o resto cara. Era tão gira quanto a imaginava com a cara rechonchuda, olhos azuis e o nariz empinado. Há quem diga que se parece comigo, acho que é da praxe. A verdade é que os bebés não se parecem com ninguém. Bem, as mãos são iguais ás minhas, são grandes. E sempre fechadas mas aí já sai à F.
De feitio torcido e moderadamente chorona a Rita chegou cansada mas de perfeita saúde, com cinco dedos em cada mão e voz de rouxinol!
A F. também está bem, segundo ela até fez uma nova amiga no hospital que a visita com regularidade... A morfina. Assisti a uma dessas visitas. Imaginem um cão a correr e a saltitar quando vê o dono aproximar-se com o prato da comida. Pronto, era mais ou menos assim quando a F. via a enfermeira com a morfina. Parecia que tinha bichinhos carpinteiros, os olhos sorriam emanando tal luminosidade que iluminava todo o quarto e corredores da enfermaria.
No terceiro dia quando cheguei ao Hospital por volta do meio dia já estavam as duas vestidas, de malas feitas e prontas para ir para casa. Daí para cá tem sido um rol de experiências novas mas que não pertencem a este blog. A pergunta que se impõe agora que a pimpolha já cá está é - "E agora que a Rita nasceu?"
Mas isso já é outra história...