Volvidas vinte e seis semanas, ou para ser mais justo, vinte e duas desde que comecei esta extenuante cruzada em busca por um lugar de grávida que se encontrasse livre, eis que esta encontrou finalmente o seu termo. Esta longa, solitária e ingrata jornada, qual Indiana Jones em busca da arca perdida, encontrou esta semana o seu final feliz no parque de estacionamento de um espaço comercial seriam talvez umas 22H30 do passado sábado.
Tenho que dizer que foi um momento verdadeiramente poético, pelo menos para mim.
Talvez a uns vinte metros, vi o lugar que ao longe me pareceu vago. O meu primeiro pensamento foi o mesmo de sempre - "Sim Jay, por ser para ti está livre", mas contudo resolvi aproximar-me. Tal e qual uma caçada em que não queremos afastar a presa, aproximei-me devagar. Ao chegar a uns dez metros para meu grande espanto, constato que está de facto livre e foi então que o meu coração começou a bater com a vitalidade de um pace-maker novinho em folha...
Achava eu que estava preparado para este momento, tonto de mim... Sonhei com ele durante meses, até já tinha um discurso preparado para assinalar o acontecimento condignamente e agora... Bom, agora estava ali, tão nervoso como um adolescente perante a sua primeira experiência sexual. Mas tinha que ser, e usando de novo a analogia do adolescente, eu sabia que se demorasse muito a enfiar lá o carro, logo outro mais expedito que eu apareceria e o faria em meu lugar deixando-me desolado e à mercê do velho Deus Whisky...
(daqui em diante a coisa passa-se em câmera lenta. Temos duas hipóteses, ou escrevo usando hífenes entre cada letra, o que dá um trabalhão do camandro e vocês não me pagam para isso, ou fazem o obséquio de ler muito devagarinho e imaginar a coisa em câmera lenta e com esta música de fundo).
Vangelis - Chariots of Fire by kliktyklik
Desapertei dois botões da camisa e limpei o suor que me reluzia na testa. O momento pelo qual tanto havia esperado, sonhado e até chorado durante vinte e duas longas semanas havia batido o pé na linha cronológica da minha insignificante existência. Era agora o tal momento...
Apaguei as luzes para não o afugentar, todos sabemos sabemos o quão assustadiços são estes maguerefes. Meti primeira e avancei devagar no entanto repleto de confiança. Encontrava-me neste momento talvez a uns seis ou sete metros da Terra Prometida. Por entre o cheiro da maresia e o escape dos carros conseguia sentir perfeitamente o seu odor. Aquele odor frio, carregado e indiferente contudo imensamente penetrante não me enganava... Era alcatrão! O mesmo alcatrão que em segundos suportaria toda a massa mecânica que se ergue sob o capô do meu carro e assim avancei com redobrada cautela, estes últimos metros são sempre decisivos.
Estava nevoeiro, no meu campo de visão nada existia excepto eu e aquele lugar. O resto? As ruas, os edifícios, os outros carros e as pessoas? Não passavam de luzes e sombras, meros espectadores de um grande espectáculo. O grande espectáculo do milagre do estacionamento...
Tudo estava a correr de forma virginalmente perfeita até que aos três metros de distância o meu mundo quase desmoronou... Uma escada... Eu havia passado sob uma escada, mas nem isso me demoveu. Não seria agora que findas vinte e duas semanas e centenas de quilómetros que eu iria desistir. Com este pensamento na mente e a adrenalina a percorrer todo o meu corpo terreno, eu avancei... Mas a sorte decididamente não estava do meu lado, não havia avançado nem meio metro quando vejo um enorme gato preto pavonear-se na frente do carro. Foi então que senti a mão da F. no meu braço. Olhei para ela e disse-me - "Há que saber quando parar Jay... Isto já foi longe demais!"
Assenti com a cabeça e quando já tinha a marcha a trás engrenada, olho de novo para a frente e vejo uma menina puxando um cordel. Na ponta desse cordel não vinha amarrado outro que não o nosso gato preto... Afinal era um gato de peluche!
Engatei primeira e acelerei como um verdadeiro James Dean, agora era para ir até ao fim! Uma grande nuvem de fumo envolveu as imediações, as rodas da frente quase não tocavam o pavimento, uma loucura incontrolável havia tomado conta de mim. Enquanto as lágrimas me escorriam pela cara abaixo ao som daquela voz que me dizia - "Não pares agora Jay, tu vais conseguir! Tu podes tudo!!!", via milímetro a milímetro o meu carro posicionar-se sobre aquele exíguo espaço que até aqui somente fazia parte do meu imaginário. Com toda a minha energia puxei o travão de mão. E segundos depois tudo estava terminado. Estava feito. Estava estacionado!
Olhei para a F. que por entre as lágrimas sorria e me acenava com a cabeça como quem me dizia - " Eu sabia que eras capaz meu querido! É por isto que te amo!"
O meu mais recente e louco sonho estava realizado. Eu havia efectivamente estacionado num lugar de grávida!
(neste momento podem parar a música e retomar um ritmo de leitura normal)
Como em tudo na vida, há sempre conclusões passíveis de se retirar de toda a experiência:
- Conclusão 1 - Este ano Portugal registará um número abismal de nascimentos dada a ocupação constante dos lugares de grávida.
- Conclusão 2 - A ser errada a conclusão 1, à semelhança dos cães o ser humano desenvolveu a capacidade de fazer gravidez psicológica, o que na minha modesta opinião era coisa para irem ao médico...
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